“INTERRUPÇÕES A MAIS E FUTEBOL A MENOS”

Estádio Municipal de Tomar

Árbitro – Mário Vidreiro, de Lisboa

U. TOMAR – Nascimento (3); Kiki (2), Faustino (2), João Carlos (3) e Barnabé (2); Manuel José (2), Cardoso (3) e Calado (3); Pavão (1), Bolota (1) (70m – Fernando (1)) e Camolas (2)

BOAVISTA – Vitor Cabral (3); Bernardo da Velha (3), Mário João (3), Lino (2) e Alberto (2); Barbosa (2), Celso (2) e Jorge Félix (2); Moura (1) (65m – Bulhosa (1)), Moinhos (1) e Fraguito (2)

«No segundo tempo, no União de Tomar, aos 25 minutos, saiu Bolota, para entrar Fernando (1), passando Pavão para avançado-centro. No Boavista, em resposta, aos 20 minutos, saiu Moura para entrar Bulhosa (1) e, aos 30 minutos, entrou Gaspar (1), para sair Moinhos.

Resultado final: 0-0.

Infelizmente, não obstante a magnífica tarde de sol que, ontem, fez em Tomar, a convidar os jogadores para um bom espectáculo, que o público aguardava com certa justificação, o futebol não quis colaborar no acontecimento, pois manteve-se, durante o tempo de jogo, sempre ausente do relvado. E se esse futebol algumas vezes tentou aparecer, procurando com a sua aparição corresponder ao interesse da razoável assistência que se deslocou ao alindado estádio nabantino, logo uma maioria dos protagonistas, com o árbitro em plano de evidência, o afastavam da cena, não permitindo que, realmente, o público saisse do campo a viver o prazer de ter assistido a uma partida de futebol.

Não sucedeu isso. O mais que o público teve o ensejo de constatar foi da possibilidade de o tempo duma partida de futebol ser reduzido à sua expressão mais simples, pois este Tomar-Boavista, em futebol jogado, com os jogadores em movimento, e, consequentemente, com a bola no rectângulo, não deve ter excedido meia hora, na totalidade.

E o futebol, como não há apanha-bolas no Estádio tomarense, até nisso foi lesado, pois seria natural que essa miudagem que, em alguns campos, surge atrás das bolas pelas pistas, pudesse ter contribuído para suavizar esta tarde paupérrima de futebol que nos ofereceu um dos jogos da 9.ª jornada do «Nacional». E foi pena que assim houvesse sucedido, até porque não será com jogos deste nível que se conquistam adeptos para a modalidade, embora saibamos que muita gente diz que o que interessa são os pontos. De certo modo, assim é, mas esses pontos podem, igualmente, ser conquistados sem, contudo, a sua conquista oferecer tão deprimente panorama como aquele que ontem se apresentou na moldura do Estádio Municipal de Tomar.

Por tudo o que atrás fazemos transparecer, não é difícil concluir-se que este jogo não teve história. O que de certa maneira não nos surpreendeu, pois logo iniciada a partida, com lances a «dizerem» o que as duas equipas queriam: uma jogar (a de Tomar) e outra (a do Boavista) a não deixar jogar. E como o árbitro se meteu a primor nas características do jogo, deixando-o andar como melhor aprouvesse aos jogadores, ainda não havia passado o primeiro quarto de hora e já estava revelada a «fotografia» do espectáculo.

O Boavista, com um «4-4-2» muito bem arquitectado, cedo «explicou» que não ia a Tomar com veleidades de «mandão». Antes, teria de se colocar na sua verdadeira condição de visitante, embora para enfrentar um adversário da sua igualha. Admitir domínio infrutífero ao seu opositor foi condição «sine qua non» denunciada cedo pelos «axadrezados», certos de que, com uma ou outra jogada de contra-ataque vitoriosa, poderiam regressar com pontos, mesmo que não lhe fosse possível segurar a imbatibilidade de Vitor Cabral. E como não parecia difícil aos portuenses alcançar esse objectivo, quanto menos tempo de futebol existisse durante o jogo, mais próximos estariam das intenções com que saltaram ao rectângulo.

Esperando-se que ao sistema boavisteiro a equipa nabantina respondesse com armas adequadas, começando por não sentir os efeitos da «injecção nervosa» que Meirim lhe impôs, com perdas de tempo com jogadores em simulações consecutivas de lesões, além de despacho de bola para fora, ou para mais longe, em relação aos locais das faltas, os nabantinos foram perdendo o raciocínio, na medida em que ao seu futebol mais definido ia faltando a obtenção de golos, que, na primeira parte, estiveram ao seu alcance, precisamente em jogadas que só não resultaram por falta de felicidade. Seria natural que, concretizados esses lances, a equipa local se descontraísse e, assim, o jogo  ganhasse outra fisionomia, pois seria natural que o Boavista se abrisse um pouco mais e, como consequência disso, não só passasse a bola a estar mais tempo em campo e a partida ganhasse algo de agradável.

À falta de golos foi-se acomodando a equipa do União de Tomar. A descrença passou a minar uma grande maioria dos seus jogadores, de tal modo que, no aspecto técnico, alguns chegaram a dar a sensação de que tinham visto uma bola pela primeira vez… O Boavista, vendo que as coisas lhe iam correndo a seu modo, foi reforçando ainda mais o seu sector defensivo, de tal modo que Vitor Cabral, embora houvesse estado muito em evidência, não defendeu em relação ao domínio de jogo exercido pelos tomarenses, pois a maioria das jogadas morriam nos seus companheiros da defesa.

Tudo fazia pressupor, no entanto, que, no segundo tempo, acalmada a equipa da «casa», certamente alarmada com o espectro da derrota, dada a maneira como a oposição lhe era oposta pelo Boavista, as coisas se modificassem, ainda que fosse de concluir que os portuenses não modificariam o seu plano, enquanto as coisas lhe corressem de feição, o que se compreende muito bem. As mesmas armas, utilizadas, antes do intervalo, pela equipa de Meirim, voltaram a ser usadas pelos seus comandados. Nada de pressas, interrupções de jogo, sempre que fossem possíveis, de modo a aumentar os nervos dos seus adversários.

Como consequência disso, os tomarenses só esporadicamente conseguiam realizar uma jogada em que a bola passasse por três ou quatro jogadores, pois uma interrupção oportuna punha cobro ao perigo a que poderiam corresponder lances bem imaginados a caminho da baliza de Vitor Cabral. Jorge Félix, embora menos influente no jogo da equipa do que na temporada anterior, ia desempenhando acção de maestro, pondo a bola onde lhe parecia mais conveniente, para evitar perigos. Moinho[s] e Moura, os únicos homens encostados à defesa tomarense, eram espectadores que se limitavam a ver Nascimento receber bolas dos seus defesas, dadas para trás.

Goradas que foram as tentativas de golo dos tomarenses, o Boavista, à passagem da meia hora, com o aproximar-se do final do jogo, considerava-se satisfeito se houvesse de manter o 0-0. Para garantir essa situação, Meirim fez sair Moura, para entrar Bulhosa, mais um na luta do meio-campo. E pouco tempo depois, por não querer gente à boa vida, mandou sair Moinhos, para entrar o defesa Gaspar. Homens da defesa, era o que se impunham para amparar Vitor Cabral.

Terminaram com este golpe de Meirim todas as hipóteses de os tomarenses romperem a barreira «axadrezada». E para reforçar ainda mais a validade da decisão do treinador do Boavista, Cabrita substituiu Bolota por Fernando, mandando para o centro Pavão, demasiado débil para causar mossa na defesa adversária. Além disso, persistindo no «4-3-3», os tomarenses estiveram sempre em inferioridade numérica na luta contra a «muralha» defensiva portuense, embora os três homens do meio-campo por vezes irrompessem na grande área, à procura de ressaltos, para baterem Vitor Cabral.

Ora Bolota e Camolas, mais juntos dentro da defesa, com extremos originários chegados às laterais, seria natural que Meirim houvesse de tomar outras disposições por utilização mais assídua de Bernardo da Velha, que, por falta de extremo-esquerdo opositor, pôde estar sempre em socorro de Mário João e de Lino, quando em dificuldade com Bolota, que, pelo menos, nunca se mostrou avesso à luta de choque. Ora isso faltou aos tomarenses quando o Boavista se resolver acabar a partida seu favor no último quarto de hora, não deixando jogar de todas as maneiras e feitios. E quando assim sucede, nada feito, se não houver da parte dos jogadores a necessária descontracção, pois, em boa verdade, nem sempre o treinador, porque também vive o jogo, consegue resolver problemas de difícil solução.

A equipa do União de Tomar, que vimos no primeiro jogo do «Nacional», em partida que esteve mais próximo da vitória do que da derrota, agradou-nos muito mais no jogo com a CUF. É certo que essa nossa primeira impressão foi colhida numa partida em que a equipa se viu mais descontraída e ainda com a vantagem de enfrentar um adversário que a deixou pôr o seu futebol em todo o rectângulo.

A fisionomia dos dois jogos tiveram faces opostas: no Barreiro, os tomarenses lutaram por um resultado lisonjeiro; ontem, jogavam para uma vitória que se exigia.

Se é verdade a equipa se haver sentido diminuída pelos nervos que se apoderaram de todos os seus jogadores, roubando-lhes o discernimento, também não é menos certo que a equipa não teve o processo de manobra mais coadunado com o antídoto que o Boavista apresentou para contrariar as vantagens que tinha de jogar em «casa».

Terá faltado, no entanto, um pouco de sorte à equipa, para se meter dentro do seu melhor futebol, porque não há dúvida de que o tem dentro do valor intrínseco do seu quadro de jogadores.

Nascimento, pelo que teve de fazer, só com uma defesa com esse nome, não se mostrou. Na defesa, João Carlos e Kiki estiveram em evidência numa defesa que também esteve muito tempo como espectadora. No meio-campo houve muita habilidade de Calado e Manuel José e voluntariedade de Cardoso. E como foram senhores do meio-campo, estiveram muito em foco, tanto no bom como no mau.

Na frente, com Bolota a pedir jogo para a sua característica, pois não se lhe pode pedir tecnicismo, e Camolas muito mais desenvolto do que no Belenenses, jogou-se com pouca ordem, até porque Pavão, um tecnicista a sério, não tem talento, ao mesmo nível, para poder resolver situações favoráveis que lhe surgiriam se usasse da sua excelente execução, tanto para drible como para entregas.

No entanto, porque o jogo foi mau, em todos os aspectos, é muito natural que a equipa valha mais do que nos deixou ontem transparecer, não obstante ter andado a maioria do tempo de jogo de posse da bola.

Grande diferença, em futebol jogado, existe nesta equipa do Boavista, em relação àquela que víramos na passada temporada. Ainda que de início nos houvesse dado a sensação de que continuava a manter o fio de jogo que sempre caracterizou a sua gente, em que a bola era sempre bem tratada e afagada por todos os seus jogadores, cedo nos foi decepcionando com a maneira como planeou o seu futebol, no que concerne à condução da bola da defesa para o ataque, não obstante ter no meio-campo quatro elementos (Jorge Félix, Barbosa, Celso e Fraguito), que sabem jogar como se deve jogar. De tal maneira a equipa se revelou desinteressada da construção de jogo, que Moura e Moinhos bem se podem queixar de não haver sido mais úteis à sua equipa, pois andaram sempre desamparados em rasgos individuais sem qualquer utilidade.

Na defesa, onde Mário João e Bernardo da Velha chegaram para tudo, houve muita aglomeração de elementos, de tal sorte que o choque entre Mário João e Barbosa, na altura em que se verificou, poderia ter inutilizado todo o esforço feito pela equipa, se porventura perdesse esses dois valiosos elementos.

Porém, não queremos deixar de referir a impopularidade em que alguns jogadores, com atitudes pouco de aconselhar, estão a lançar a equipa.

A arbitragem de Mário Vidreiro, deixando-se dominar por todos os jogadores, sem aquela autoridade que se exige a um juiz de campo, ficou também como coisa muito negra do jogo, mostrando-se incapaz de conduzir uma partida em que o árbitro tem de ser a figura suprema do jogo. Pois o sr. Mário Vidreiro nem terá necessidade que lhe digam que não pode conduzir equipas que actuem na I Divisão. Certamente que o reconhecerá, sem esforço, pelo menos se não conseguir mais do que lhe vimos ontem.»

(“A Bola”, 29.11.1971 – Crónica de Severiano Correia)

(Imagem – “A Bola”, 29.11.1971)