“COMEÇAR SEM PROBLEMAS ACABAR SEM SOLUÇÕES”

Estádio 25 de Abril, em Tomar

Árbitro – Moreira Tavares, do Porto

U. TOMAR – Silva Morais (3); Kiki (3), Calado (3), Faustino (3) e Fernandes (3); Barrinha (3), Cardoso (2) e Florival (2); Pavão (1) (69m – Carvalho (2)), Raul Águas (2) e Camolas (1) (75m – Sarmento (1))

SETÚBAL – Vaz (2); Carlos Cardoso (2), João Cardoso (1), José Mendes (1) e José Lino (1); César (1) (60m – Vicente (0)), Octávio (3) e Matine (1); Bio (2), Duda (1) (74m – Arnaldo (0)) e Jacinto João (2)

1-0 – Cardoso – 63m

«Substituições – Ambas as equipas esgotaram as substituições. Duas para cada lado e todas na segunda parte.

Aos 60 minutos, César foi substituído por Vicente (0). O Vitória voltou a modificar a equipa, aos 74 minutos, trocando Duda por Arnaldo (0).

No União de Tomar, Carvalho (2) ocupou o lugar de Pavão, aos 69 minutos e Sarmento (1) substituiu Camolas, aos 75 minutos.

Cartões amarelos – Dois. Mostrados a Pavão, por ter jogado a bola com a mão, aos 31 minutos e a Arnaldo, durante uma discussão com Calado.

Ao intervalo: 0-0.

O único golo do encontro foi obtido aos 63 minutos. João Cardoso atrasou mal para o seu guarda-redes originando um «canto». Camolas apontou o castigo com um pontapé por alto, José Mendes aliviou para fora da sua grande área mas na direcção de Cardoso que, sem preparação, arrancou um chuto magnífico levando a bola a entrar junto do poste direito da baliza de Vaz.

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Em dois domingos consecutivos o União de Tomar defrontou os Vitórias. Primeiro foi a Guimarães arrancar um ponto à equipa sensação desta época. Ontem, jogou no seu campo com o Vitória de Setúbal e ganhou. Dois jogos difíceis e três pontos… em quatro possíveis. É bom. Muito bom mesmo, para uma equipa que está habituada a disputar o campeonato dos «aflitos».

Ontem, o União de Tomar mostrou-se uma equipa francamente personalizada e consciente. Sabia que o Vitória, potencialmente, era mais forte e, por isso, se apercebeu que, para conquistar os dois pontos, tinha de ganhar o jogo minuto a minuto. Foi este o segredo do União. Os seus jogadores lutaram muito, exigiram sempre o mais possível deles próprios e cumpriram a difícil tarefa com um espírito de sacrifício e colectivismo que, muito sinceramente, não vimos no Vitória.

Estavam decorridos vinte e cinco minutos de jogo quando Vaz fez a primeira defesa difícil. E isto já explica muito do que se passou na primeira fase do encontro.. Na verdade, o Vitória começou o jogo sem problemas. A defesa jogou à vontade, quase sempre a marcar um único homem – Raul Águas – que se mantinha metido entre os dois «centrais». Quanto a Pavão e Camolas que, teoricamente, completavam o trio avançado do União, actuaram de uma forma mais efectiva no meio campo, ajudando a povoar esta zona e a complicar o trabalho dos centro-campistas sadinos. Em parte conseguiram-no, uma vez que nem Matine, nem César, conseguiram espaço para manobrar, como muito bem entendiam, nem tempo, para ter a bola nos pés. Apenas Octávio não se mostrou afectado. Jogou como sabe (e sabe muito), mobilizou, só para si, um homem – Florival – que o perseguiu por todo o lado, mas, apesar de tudo, todas as jogadas de ataque setubalense passaram pelos seus pés. Foi incansável e não merecia o «aburguesamento» dos seus companheiros de sector. Foi ainda Octávio que deu vida à supremacia territorial do Vitória, neste período, dando bolas jogáveis aos seus dianteiros. Porém, os três homens que José Augusto escolheu para a frente não conseguiram ligar bem e raras vezes levaram a melhor perante uma defesa a jogar em jeito de «vida ou morte», não consenti[n]do a bola perto da baliza de Silva Morais. Claro que nem só a defesa do União de Tomar foi responsável pelo inêxito atacante dos setubalenses. Os avançados sadinos também tiveram muita culpa. Bio foi o que melhor se adaptou. Duda teve uma tarde verdadeiramente negra e Jacinto João que, depois de Octávio foi o elemento que mais terá preocupado o União, foi um autêntico viajante, durante os noventa minutos. Nunca aqueceu o lugar. Esteve à frente e esteve atrás, esteve no lado direito e no lado esquerdo. Jogou muito, na verdade, mas, apesar da sua classe, um enorme defeito – não conta com ninguém e continua a querer resolver, sozinho, um jogo colectivo. É uma incoerência.

Tomar acredita

Mesmo num período em que se jogou, exaustivamente, no meio campo do União, nunca se vislumbrou ponta de descrédito na equipa de Artur Santos. O tempo ia passando, o Vitória, na verdade, estava a comandar as operações, mas nem por isso conseguia criar grandes ocasiões de golo. Uma única excepção quando, aos 12 minutos, após a marcação de um «canto» por Octávio, Carlos Cardoso atirou a bola à barra.

Aos poucos, a linha média de Tomar ia acertando definitivamente com a marcação aos seus adversários. Assim, foi decrescendo a necessidade de apoio, persistente, por parte de Camolas e Pavão. Com Raul Águas mais acompanhado, a defesa de Setúbal foi perdendo o à vontade inicial e Vaz começou a ter de enfrentar alguns problemas, tanto mais que João Cardoso não inspirava confiança e que José Lino também não estava nos seus dias.

Quando chegou o intervalo já nenhuma espécie de supremacia restava ao Vitória. Faltavam quarenta e cinco minutos de jogo, mas as perspectivas haviam mudado. Não havia favoritos e isso já era uma conquista do União de Tomar.

As mudanças

Na segunda parte o União, mantendo os mesmos jogadores em campo, apresentou alterações. Florival até então demasiadamente ocupado com Octávio, passou para a frente, jogando entre os «centrais» setubalenses. Pavão recuou para o meio campo e Raul Águas continuou como atacante, embora mais descaído sobre o lado esquerdo. Assim conseguiu o União de Tomar uma nítida melhoria no seu sector avançado, ao mesmo tempo que não perdia influência no meio campo. Foi uma alteração correcta. Para «amarrar» um jogador à marcação homem a homem, não interessa dar a missão a um elemento que também pese na manobra de uma equipa.

É uma simples troca por troca. O União resolveu arriscar. Foi ambicioso e quis jogar para a vitória.

Logo no primeiro minuto, da segunda parte, Raul Águas viu-se em excelente posição para rematar à baliza de Vaz. Demorou, perdeu posição e acabou por fazer um chuto fraco direito ao guarda-redes.

Entretanto, com a melhoria nítida do União de Tomar, José Augusto também resolveu mexer na equipa. Fez sair César, de facto a jogar mal, e mandou Vicente jogar do lado direito do seu ataque. Mas Vicente apenas esteve lá.

Continuou o União a caminhar para o golo. Aos 62 minutos, após a marcação de um «canto», Kiki rematou de cabeça à barra, com toda a defesa do Vitória a ver. Poder-se-ia pensar que os sadinos estariam avisados, mas, no minuto seguinte, aconteceu o golo, após a marcação de novo «canto».

O União tinha conseguido o seu primeiro objectivo – passar à condição de vencedor. A preocupação deixara de ser dividida. Em vez de pensar em marcação e não sofrer golos, o União passou a preocupar-se, exclusivamente, em não consentir o empate. Todos os jogadores passaram a ter o mesmo objectivo e o espírito de unidade, que até então já era uma constante, tornou-se num autêntico credo.

Tentar o impossível

A perder por 1-0 o Vitória de Setúbal fez o que lhe competia. Veio para o ataque tentar, pelo menos, o golo da igualdade. Era tarde. Os jogadores sadinos já não estavam nas melhores condições para alcançar o seu objectivo, e isso foi por eles demonstrado, num ataque atabalhoado, nervoso, sem imaginação, quase sempre copiado lance após lance – bola no lado direito nos pés de Carlos Cardoso, centro para a grande área e bola no «barulho». Claro que, nestas condições, a defesa do União jogou tudo por tudo e não se deixou surpreender. O Vitória, que tinha começado uma equipa confiante na sua superioridade, acabou o encontro sem encontrar a solução para entrar na grande área de Tomar. José Augusto ainda fez uma última tentativa, a quinze minutos do final tirando um Duda desinspirado e metendo Arnaldo. Voltou a falhar, porque Arnaldo ainda mais desinspirado se mostrou, no meio de uma defesa segura e moralizada.

O árbitro

Foi incaracterística a actuação do árbitro portuense Moreira Tavares. Não teve uma actuação desastrada – longe disso – até porque o jogo não o justificava, mas podia ter sido bem melhor. No aspecto técnico, uma dúvida: «mão» de Duda na grande área do Vitória, aos 72 minutos, pareceu-nos intencional. No aspecto disciplinar, mostrou dois cartões amarelos. Um a Pavão, que tocou a bola com a mão, na sequência de um passe de um seu companheiro (interpretações…) e outro a Arnaldo, quando discutia com Calado. Mas neste caso, o que eles disseram ouviu o árbitro e nós não.»

(“A Bola”, 16.12.1974 – Crónica de Vítor Serpa)

(Imagem – “A Bola”, 16.12.1974)