“UM PONTO NA «ESTREIA» E JÁ NÃO FOI NADA MAU…”

Estádio Municipal de Tomar

Árbitro – Francisco Lobo, de Setúbal

U. TOMAR – Conhé (2); «Kiki» (ex-Benfica) (1), Caló (ex-Sporting) (2), Dui (ex-Sp. Covilhã) (1) e Barnabé (ex-Sporting) (2);  Ferreira Pinto «cap.» (ex-Benfica) (3) e Cláudio (2); Leitão (ex-Sporting) (1) (75m – Vicente (1)), Faustino (1), Alberto (2) e Lecas (1) (45m – Araújo (2))

ATLÉTICO – Botelho (3); Valdemar (1) (80m – Rogério (0)), João Carlos (2), Candeias (2) e Murraças (1); Fagundes «cap.» (2), Pinhal (1) e Seminário (1) (45m – Raimundo (2)); Raul (1), Simões (ex-Belenenses) (2) e Tito (1)

1-0 – João Carlos (p.b.) / Ferreira Pinto – 9m
1-1 – Simões – 30m

«Ao fim da primeira parte, 1-1.

Os unionistas marcaram o seu golo aos 9 minutos: Ferreira Pinto caminhou com a bola uns metros desde o meio-campo adversário e à entrada da área, arrancou um pontapé forte e rasteiro. No caminho da baliza, o esférico encontrou o pé de João Carlos, desviou-se, tomou altura e anichou-se nas redes.

Empataram os lisboetas, à meia-hora. Boa jogada de ligação entre vários jogadores do Atlético, passe lateral de Seminário para Simões que, em corrida, fez um remate fortíssimo da entrada da área e bateu Conhé.

Substituições – No União de Tomar – Araújo (2) e Vicente (1), respectivamente ao intervalo e aos 30 minutos, substituiram Lecas e Leitão; No Atlético – Raimundo (2) ocupou o lugar de Seminário, logo no início da segunda parte, e Rogério (0) substituiu Valdemar, aos 35 minutos.

———-

«Eles» encontraram-se outra vez. A última vez que se viram foi no fim da temporada passada, no Estádio do Restelo, quando ambos já eram da I Divisão. Estavam cansados de uma luta prolongada e mal preparados precisamente pelos excessos de energia praticados através de vinte e tantas jornadas. Ontem, o Atlético pareceu-nos melhor, sob o ponto de vista físico, enquanto os unionistas revelaram sérias dificuldades nesse capítulo.

Isto quer dizer que os lisboetas, «rodados» pela Taça de Honra, onde já houve futebol a sério ou, pelo menos, mais a sério, atingiram um socalco na preparação que os de Tomar ainda não escalaram.

Realmente, a equipa do Nabão não podia apresentar-se mesmo na forma possível para a época devido a condicionalismos que, necessariamente, sofreu e continuará a sofrer a sua preparação. Lembramos que mais de metade dos seus jogadores vieram de outros clubes e o trabalho de sincronização tem de correr juntamente com o de estruturação do conjunto e não se sabe qual deles será o mais urgente, mas admite-se que não haverá uma estrutura absolutamente firme sem que os jogadores se identifiquem com os processos de jogar uns dos outros.

Fazer uma equipa é um trabalho duro, especialmente se ela tem de ser cerzida, tem de sair de retalhos. E os desafios que a equipa disputou, antes do jogo inaugural do Campeonato, não lhe puderam proporcionar nem a tal sincronização, nem o «andamento» de I Divisão, que é ponto primordial a atingir.

O jogo que abriu a sensação Ribatejo na Divisão maior do futebol nacional não teve o que se pode chamar todas as condições para agrado total, mas os adeptos do União puderam verificar a diferença existente entre o nível de jogo que durante anos e mais anos de disputou no Estádio Municipal de Tomar e o que ali vai jogar-se pelo menos nesta temporada.

O Atlético, apesar de não ser das melhores equipas portuguesas, levou ali um padrão de jogo certamente diferente do habitual. Ficará como que uma antevisão do que ainda poderá vir a acontecer a cargo de conjuntos porventura mais categorizados.

Já que falámos do Estádio Municipal, aproveitamos para saudar a iniciativa que o melhorou, dando-lhe razoáveis acomodações, para o público, e lamentar que a bancada de imprensa, onde se tem de trabalhar, onde se tem de estar, esteja exposta ao sol, de tal forma que se torna impossível aí aguentar a hora e meia do costume.

Um apontamento

O Atlético não desmentiu de maneira nenhuma as exibições da Taça de Honra. Apresentou ontem o mesmo jogo que lhe vimos no desafio com o Sporting, a mesma «souplesse» e os mesmos movimentos tácticos.

Simplesmente o adversário se tinha outro nome, que não Sporting ou Belenenses, possuía, porém, ilimitada vontade de vencer e jogava para qualquer coisa mais do que um lugar em torneio de interesse inferior ao que desperta o «Nacional».

E não é nada fácil no Campeonato, com a necessidade que existe de conquistar pontos, jogar em terreno alheio. Cada qual pretende ganhar em casa o que pensa ser natural perder fora (referimo-nos às equipas que lutam pela sobrevivência na I Divisão) e esse «estado de espírito» mentaliza os jogadores para exibições que raramente possuem discernimento – o público deseja ver correr, lutar, espuma a escorrer dos lábios dos jogadores, anseia por ver a bola junto da outra baliza, quer golos… – mas que obrigam todo o mundo a correr e a jogar em força.

O União, ontem, caiu nesse futebol incaracterístico, precisamente quando a equipa não tinha força para jogar pelo chão, mas foi muitas vezes empurrada por uma mórbida necessidade de se desgastar para espectador ver… ou por qualquer outro motivo, misterioso para nós.

E foi essa toada que deu ao jogo de todos os tons pouco claros que surgiram em campo. É que o Atlético também não é um conjunto de tal forma poderoso que possa, ele sozinho, estabelecer uma linha de conduta, um processo de jogo, um estilo inalterável. Não senhor. Sentiu a influência adversária, a força mal distribuída e, por isso, mal aproveitada de um União atrasado na estruturação do «onze».

Aliás, o jogo apenas nos forneceu uma ideia do que as equipas valem. Nada nos disse de concreto, de decisivo sobre o conjunto nabantino que terá, de facto, de resolver o seu problema de sincronia antes de se poder dizer que joga «assim ou assado».

E as substituições (quatro!) não favoreceram em nada a partida.

Aliás, as interrupções não podem interessar ao jogo e só servem para dar às partidas oficiais todo o ar de desafios de «solteiros e casados». Até parece que as trocas e baldrocas roubam seriedade ao jogo. E se não a tiram totalmente, cortam-lhe a sequência! Ontem, as equipas utilizaram as substituições permitidas e lá vimos entrar os «suplentes» com o cartãozinho na mão, enquanto os «efectivos» abandonavam o campo.

Não há dúvida, precisamos (nós e o público) de nos habituar.

Futebol a «doer»

Aos alcantarenses, para ser iguais a si próprios, faltou a calma evidenciada na Taça de Honra. Mas compreendemos muito bem onde as coisas se tornavam diferentes. É que, enquanto no Restelo, o Atlético nada tinha a perder, em Tomar muito teria a ganhar, se marcasse ao menos um pontinho. E isso porque os seus adeptos poderiam perdoar-lhes facilmente a derrota frente aos conjuntos que defrontou na Taça de Honra e já encontrariam «objecções» a um desaire frente a uma equipa que, se atendermos à lógica de um prognóstico possível, poderá vir a lutar para sair dos últimos lugares ou mesmo cair neles, tal qual pode também suceder com os alcantarenses.

Foi com uma equipa da sua igualha e com as suas pretensões que o Atlético lutou. Daí os movimentos colectivos não terem saído tão perfeitos. Daí a pouca eficiência de elementos que, em Belém, foram magníficos executantes.

Em Tomar, já se jogou futebol a «doer». E os jogadores (e equipas, por reflexo) não podem alhear-se dessa responsabilidade. Muitas vezes, é a responsabilidade de um jogo que distribui os jogadores por escalões e os distingue, por eficiência. Por isso, há futebolistas que são extraordinários nos treinos e menos do que vulgares nos jogos. O elemento de uma equipa que consiga mesmo ser futebolista na «hora do nervoso», tem a possibilidade de ser sempre útil.

Ora, os atléticos não puderam ser os frios jogadores do Restelo, mas também não jogaram de forma a desmentir a bela disposição com que inauguraram a época.

A equipa manteve os seus esquemas, na medida em que não alterou os processos de movimentação. Voltamos a ver Pinhal numa missão extremamente fatigante (pior com o calor que se faz sentir) e o meio campo formado assim, por três elementos, quando a equipa atacava, e a defesa por cinco, quando defendia.

Também admiramos a maleabilidade do sistema de Peres Bandeira, que consentiu ao jogo mais elasticidade com o adiantamento, em largos espaços, de Pinhal, que esteve longe de se entregar à tarefa cuidadosa que o fez notado no desafio com o Sporting.

Na vontade dos atléticos de jogarem numa toada que se situava longe de um sistema defensivo, esteve a inteligência da equipa. E, naturalmente, a justiça da conquista de um ponto em terreno que será difícil.

Tomar fazia questão…

O União queria, ansiosamente, dominar e ganhar. Nem uma coisa nem outra se consegue só com o querer. Mas a equipa deu tudo quanto de momento tem dentro de si, com uma vontade e um interesse notáveis.

Os tomarenses faziam questão em inaugurar o campeonato com um triunfo. Podiam tê-lo conseguido, como podiam ter perdido. Todavia, para estreia, não se pode dizer que a equipa estivesse mal.

Alicerçado num «4x2x4» maleável, transformável, portanto, conforme as necessidades do jogo ora adaptando-se ao «4x3x3», ora transformando-se em «4x4x2», o «team» do União do Tomar teve conteúdo táctico.

A linha média, enquanto Cláudio ali jogou (mais tarde, talvez para dar mais força ao sector, Faustino foi fazer companhia a Ferreira Pinto) mostrou ter sentido muito sério de jogo. Foi a quebra física do ex-benfiquista e «capitão» da equipa que tirou ao União o estilo de turma ligada desde a baliza ao sector atacante. Isso e a forma menos apurada de Cláudio, um jogador habilidoso, que põe a bola onde quer, mas que tem de ter força para marcar os adversários, ou a sua missão ficará por metade.

Nos lances em que se exigia esforço da defesa, o União não andou bem, na primeira parte. Acertou melhor, na segunda, com as infiltrações e ajudas tentadas pelos laterais, ou por Dui, que saía do sector para pôr mais energia no meio terreno, enquanto Ferreira Pinto «rebentado» ficava no seu lugar.

O União, sem as pedras devidamente «rodadas», não parecia em posição de vencer um Atlético mais veloz e sempre decidido. Nem mesmo quando a equipa nabantina quis resolver o problema do golo que lhe faltava impondo uma toada de II Divisão, com a bola a «pingar» sobre a área dos lisboetas. Sem forças para jogar bem, Tomar só podia jogar assim.

Essa forma enganadora de domínio pouco de perigo real causou aos alcantarenses, embora o facto de os vermos metidos no seu meio-campo possa ter consentido tal ideia. Piores, muito piores foram os contra-ataques de Alcântara.

Daqui se conclui que não domina quem quer, mas quem pode.

Botelho e Ferreira Pinto

Foi o primeiro jogo do campeonato. A maioria dos jogadores não está em forma. O União até está pouco jogado e sempre defrontou equipas de pouco cartel, ao contrário do Atlético, que começa a «carrilar».

Por conseguinte, poucos apontamentos individuais colhemos, entregando-nos mais à apreciação das manobras das equipas.

Para já, uma certeza – este Atlético é muito superior ao que baixou de Divisão, há duas épocas, e o União pode atingir craveira superior à que ontem revelou, dado possuir elementos de certo valor técnico. A ligação dos sectores e o processo de jogo da equipa (já esboçado) depende do conhecimento entre si dos jogadores.

É provável que o União de Tomar venha a formar um conjunto de certa força. Se assim acontecer, poderá libertar-se da «tensão nervosa» resultante de uma «certa situação».

Conhé, apesar de nos parecer um «keeper» um tanto parado, não teve culpa no golo; a defesa precisa de adaptação. Pareceu-nos bem observada a troca dos laterais. Meio-campo inteligente e habilidoso. Ferreira Pinto terá sido mesmo brilhante na maior parte do tempo. Dianteira sem expressão de remate. Casos a rever. Alberto não pode, sozinho, resolver os problemas da área e Leitão não pode continuar a driblar meio mundo para a baliza.

No Atlético, parabéns para Botelho. É um guarda-redes em grande forma. Fez três ou quatro grandes defesas. Seguro. A defesa menos sólida do que nos jogos do Restelo. Meio-campo com excelentes pormenores. Linha da frente com codícia. Simões foi utilíssimo.

Outra estreia

O árbitro do encontro também se estreou na I Divisão, tal qual o Tomar. Não se impressionou. Quando o jogo «quis» ser feio, ele aguentou as «más vontades». Tecnicamente, bem. Pode continuar.»

(“A Bola”, 09.09.1968 – Crónica de Homero Serpa)

(Imagem – “A Bola”, 09.09.1968)